sábado, 2 de abril de 2011

Este blog mudou de endereço

 http://dezminutosdesolidao.wordpress.com/.


terça-feira, 22 de março de 2011

"Computadores fazem Arte, Artistas fazem Dinheiro"

     Chico Science cantava lá pelos idos de 94, uma frase que materializa uma grande parte do produto da indústria musical: “computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro”. Science se referia à tendência mercadológica de pôr a renda na frente da produção artística, o que não é difícil de observar no mainstream.  Observando os novos caminhos que o MinC vem seguindo, esta frase surgiu de imediato em minha cabeça. De que Cultura se refere o Ministério? Da Cultura de Mercado?

     Retirar a licença Creative Commons do site do Ministério da Cultura significa uma ruptura no processo de viabilização do conhecimento livre que vinha se estendendo nos últimos anos. Não é apenas uma troca de licenças, é certamente uma mudança de postura. Uma renúncia ao apoio da cultura digital coloca o novo MinC em qual direção?

     Ora, se o Ministério da Cultura é a favor da democratização da cultura, deveria se posicionar para que as produções culturais e informações sobre a cultura estivessem disponíveis a todos. Isso significa a retirada e não a imposição de barreiras. Se algo é de domínio público, a difusão deve acontecer. E, como um órgão público – que deve(ria) ser para o público –, o MinC deveria viabilizar essa difusão, para que se possa alcançar um maior número de pessoas. Porém, a nova licença apresenta um MinC complicador da difusão, já que “permite a reprodução desde que creditado”, mas não se refere à publicação. Licença, no mínimo, confusa.

       Afastando-se da difusão da Cultura Digital, o novo MinC se aproxima de quem? Da velha máquina do Copyright e da “lógica” do ECAD ou de uma nova alternativa para democratizar a cultura? Se há essa nova alternativa, ela não foi mostrada até o momento. O Copyright não tem mais espaço no mundo do conhecimento livre, já que ao invés de beneficiar o autor, alimenta a velha lógica do mercado. A ministra Ana de Hollanda já anunciou ser contrária a "mudanças radicais" numa possível reforma da Lei de Direitos Autorais. Lei essa, demasiado restritiva, que precisa de uma reformulação em verdade.

       Os rumos que o MinC vem seguindo engendram um retrocesso e um distanciamento da democratização, da difusão do conhecimento livre. Infelizmente, é isso que se vê nos últimos tempos. 

    “Computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro”. É lamentável que essa frase ainda continue atual.




sexta-feira, 18 de março de 2011

Bem vindo, Obama! #ObamaOutofBrazil


      

    Mais que uma visita de um presidente. A visita do primeiro presidente negro dos Estados Unidos a terras brasileiras no governo da primeira mulher presidente do país. O Brasil, claro, receberá com muito gosto – algo maior que um simples apreço – esse visitante ilustríssimo. O alarde, então é justificável: a figura carismática – que substitui a imagem negativa do Bush –, vem trazer seus bons intentos aos países latino-americanos. Estreitamento de amizades... Ah, claro!
      
     Simbolismos. Deve ser isso. Melhor, faces. Duas faces: uma para mostrar e outra para esconder. Esconder os interesses, mostrar o que é interessante para o público para “legitimar” comprometimentos. O que Obama traz? Novas oportunidades econômicas. Leia-se: Interesse em exportações e no Pré-Sal. Epa, o que os Estados Unidos têm a ver com o Pré-Sal? Não me pergunte. Hillary Clinton pôs isso em outras palavras: “Obama vai anunciar no Brasil novas oportunidades econômicas e novos caminhos para trabalharmos juntos em energia, inovação e educação”. Para quem isso trará benefícios? Por certo, não ao povo brasileiro. Energia, Inovação e Educação... A situação já não é das melhores, imagine se...

     A outra face, para mostrar o que é interessante, é o que vemos na TV. É o que constrói e se propõe legitimar a figura de Obama como ícone. Sob esta ótica, ele não é um político, é uma celebridade. Todos querem falar, mandar mensagens, fotografar, ver discurso... Afinal, é o presidente dos States! Googleando, não é difícil se deparar com um anúncio publicitário: Dê Boas Vindas ao Presidente Online e Faça Parte Dessa Visita Histórica”*. Vocês não acham que já tem gente demais se preocupando com o que ele vai comer ou deixar de comer?!

     Um ponto que merece ser ressaltado, que não é particular a essa visita, que ocorre todas as vezes que alguém “importante” pisa em solo brasileiro: A gigantesca mobilização. O país se transforma nesses eventos. Nesse intervalo, teremos Forças Armadas, um grande contingente policial, limpeza urbana, vias isoladas para o livre trânsito. Tudo para o Obama, claro. É inimaginável que isso ocorra em tempos cotidianos. Quando tudo acabar e ele voltar para casa, tudo volta ao normal: insegurança, lixo nas ruas, trânsito caótico. Tudo volta ao normal?

*Após acabar o texto, verifiquei que já havia passado de 10 mil o número de mensagens de boas vindas ao Obama enviadas por brasileiros... Nossa!
*2.  Através do Twitter, fiquei sabendo da repressão aos ativistas que manifestavam contra a vinda do Obama. Liberdade de expressão? Democracia? Onde?!
*3. Tem uma galera dando as felicitações pela visita, é só procurar a hashtag #ObamaOutofBrazil no twitter...
*4. Tudo perfeitinho na capital do país enquanto o Obama estiver por lá. Mas na realidade... Não há Simples Solução para o Caos (Inferno de Dandi).

domingo, 13 de março de 2011

Cisne Negro, um abismo da perfeição?


      Debruçar-se sobre si. Talvez essa seja a máxima que exigiria alguma obra que se propusesse sustentar em terreno wagneriano. A grandiosidade, o peso trágico-dramático, a insistência na perfeição. Um filme que almejasse tocar a obra de Wagner, por certo teria que possuir esses elementos para “debruçar-se sobre si mesmo”. Mas não é de Wagner que Cisne Negro se alimenta, é de Tchaikovsky. E Tchaikovsky, com seu Lago dos Cisnes, não traz – apesar da carga dramática – o peso operesco do drama. Em vez disso, exala leveza. Uma leveza que guia o movimento, uma beleza que dança ela mesma. E o que Cisne Negro parece fazer não é dançar levemente através da tela, é debruçar-se sobre si.

    Cisne Negro é todo Nina Sayers. A personagem não está no filme, ela é o filme. Se Nina insiste em cair no abismo da perfeição, Cisne Negro se obstina a segui-la. Nada acontece fora dela, e tudo acontece dentro dela. Somos levados a observar através de um só olhar: o de Nina. Mas o problema não é a unilateralidade do olhar, é o próprio olhar. Por vezes rápido demais, cortado antes de alguma reação. Embora as imagens busquem o efeito, não há talvez tempo ou espaço suficientes para que elas consigam expressar. Claro que há sequências muito boas, mas no geral, falta um olhar mais demorado – não em relação ao tempo, mas à profundidade. Quando não isso, a repetição: uma outra imagem para dizer o que já foi dito. Esse personagem claustrofóbico quer efeito, cada ação exige desesperadamente dele mesmo. O sofrimento delineia sua trajetória de afirmação, transformação e reafirmação. Ao invés de tentar atenuar, Nina entrega-se ao sofrimento, e Cisne Negro entrega-se a Nina. E é essa entrega que dá forma aos melhores momentos da película.


    Não há possibilidade de saída: os dois, filme e personagem, estão presos à estática como Nina está presa a si mesma, ou como o filme está preso a Nina. Quase não há movimento na narrativa, a personagem parece andar em linha reta em grande parte dos momentos. Se Aronofsky foi hábil em construir o drama psicológico da personagem e dar à ela poder sobre suas realidades e ilusões (sobre toda a película, na verdade), pecou ao torná-la estática, sem o brilho do movimento. Muito embora as idas e vindas psicológicas sugiram sair do lugar, não o fazem. E Cisne Negro transcorre assim: fechado, sufocado no mundo de Nina. 


    Se fosse uma obra de Wagner que fosse ser (re)interpretada, a busca pela perfeição não seria um problema. Se o fosse, eu não faria objeções nesse ponto. Mas não, aqui se trata de Tchaikovsky. E neste, olhar para si não é o segredo. O que é necessário é olhar além: a beleza não está em visões fechadas e sim na amplitude de olhares. É algo que necessita de movimento, intuição.  

    A perfeição é um instrumento de alienação. É criar uma ilusão que distancia o sujeito do objeto, o sujeito do próprio sujeito. É o nunca chegar, é o nunca ser. Porque insistir na perfeição?



quarta-feira, 9 de março de 2011

Carnaval ou "qualquer coisa aí"



   Não consigo entender esse tal de Carnaval. Não que tenha de ser entendível de todo, é que bem que poderia ser mais claro, funcionar menos como pretextos. A festa que transforma as cidades em turbilhões de alegria é a mesma que distribui o divertimento forçado, forjado, de qualquer jeito.

  "Pular o Carnaval" deve ser um mecanismo automático. Pretende-se dançar com música, mas os níveis sonoros muito extrapolam os limites e então, é só barulho mesmo. E isso talvez não importe. Não parece importar também a qualidade do que se consome. Sim, porque, pelo menos nos grandes centros carnavalescos, o que ocorre é consumo e não apreciação.

   Se de um lado, é suficientemente plural a ponto de reunir várias manifestações artísticas, doutro, é capaz de desconstruir essas mesmas manifestações, tornando as tudo, menos artísticas. Bastante se tem para mostrar, mas pouco o que expressar. Tomarei como exemplo o Carnaval das Escolas de Samba. Os sambas-enredo, que deveriam ser a chave-mestra do desfile, são muito mais “enredo” do que samba. O lirismo e a cadência do querido samba parecem se perder na grandiosa avenida. Tudo é demasiado grande, e o samba parece ser apenas um elemento da performance. É desse modo que vejo os desfiles atualmente: como aparelhos performáticos. Fico pensando no que estaria em primeiro plano, e tenho a péssima impressão de não sentir que é o samba. Não seriam Escolas de Samba?

  Nesses quatro dias, a alegria teve de se fazer crível de qualquer forma. Festa confusa essa.

Entre Bonecas de Porcelana e Bonecas de Plástico...


  

  Rosto angelical, pele clara, róseas maçãs faciais, cabelos delicados, vestidos belíssimos. Bonecas de porcelana são perfeitas. Delicadas, intocáveis, sem defeito algum. Existiam em larga escala há algum tempo atrás, quando os títulos de nobreza davam mais poder e prestígio. Eram damas elegantes, princesas comportadas. Alguns exemplares ainda podem ser encontrados, principalmente em filmes da Disney.

  Mas essas bonecas quebram com facilidade, dão muito trabalho. O mercado mudou e agora o negócio é outro: bonecas de plástico. Elas não quebram, são facilmente desmontáveis e possuem um vasto estoque de peças de reposição. Sempre seguem as tendências. Nada é bastante, tudo é ultrapassado. Já não é mais preciso espartilho. Agora, lipoaspirações: corpos obrigatoriamente magros! Todas perfeitamente perfeitas, iguais, como se fossem sintetizadas de uma só vez, numa só linha de produção.

  E as que não são de porcelana nem de plástico? E as que não quebram nem desmontam? Ah... Essas são de sangue, carne e ossos... Imperfeitas mesmo, mas de verdade.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Glória Feita de Sangue


Glória Feita de Sangue, um dos primeiros trabalhos do Kubrick, apesar de não carregar o peso dramático de produções de outras guerras, consegue tocar em pontos importantíssimos para uma narrativa embasada em um conflito dessa natureza. Não atinge o espectador pelo sensacionalismo – embora possua momentos bastante sensíveis –, mas por expressar que uma guerra não é uma guerra.

Uma guerra não é uma guerra? Não, uma guerra não é uma guerra. Aquela imagem que se tem na cabeça desde a infância, de que numa guerra luta-se para combater o adversário, não é integralmente verdadeira. É nesse ponto em particular que o filme mostra a imensidão de sua tangência. Aqui, não se mostra o adversário. Todos os problemas se desenrolam dentro do próprio exército francês. É ilusório pensar que numa guerra, todos se juntarão para vencer o inimigo. Uma guerra não é uma guerra, é um jogo de interesses.

E esse jogo de interesses é mostrado de forma primorosa no filme. Quanto vale a reputação de um batalhão? Quanto vale a vida de um ser humano? Quem é glorificado nos bons sucessos? Quem paga pelos fracassos? Certamente, as respostas para essas perguntas não se tocam. Na película, três soldados “pagam” por uma missão (praticamente suicida) fracassada. A escolha aleatória dos soldados punidos me parece que não ter sentido aleatório. Apresentando deste modo, o realizador traça os objetivos reais da punição: ter quem punir. Alguém tem que ser “responsabilizado”, então que sejam os mais fracos. Simples assim.

O que traz beleza ímpar à produção é provavelmente o enfoque dado aos sentimentos humanos. Se de um lado a frieza é inevitável, do outro o sentir o é. O desespero, a raiva, a angústia tomam conta dos corações sensibilizados pelas injustiças. As cenas que precedem a execução dos condenados são no mínimo desconcertantes. Difícil não ser atingido pelas reações dos personagens diante das mortes anunciadas. No desfecho, a lembrança de humanidade nos soldados é resgatada de uma maneira belíssima: através da música. Só uma expressão carregada de sentimentos, como a música, é que nos faz lembrar, de tempos de tempos, que, sobretudo somos seres humanos.

Os caminhos da glória não são construídos pelos glorificados. A glória é feita de sangue. De sangue dos outros.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Ladrões de Bicicletas


Desde a simplicidade do título até a terrível simplicidade do final, a produção de De Sica não é outra coisa senão a angustiante busca de uma bicicleta roubada, pelas ruas de Roma, onde existe um vertiginoso, abismal mercado de bicicletas, no mais longo e impiedoso domingo que um homem possa ter vivido.” Gabriel García Marquez

Alguém pode dizer que o segredo de um bom filme está na genialidade do roteiro, na fotografia impecável, em belíssimas interpretações ou até mesmo na perfeita comunicação de texto, som e imagem. Certamente também é isso, mas não somente isso. Talvez o segredo esteja no que não se consegue precisar, no que não necessita de explicação para capturar mais do que os olhos do espectador.

A palavra que passeia por toda a extensão de Ladrões de Bicicletas é simplicidade. Vittorio de Sica apresenta um roteiro simples que consegue ser grandiosamente belo. Poderia ser a história de qualquer italiano tentando sobreviver no pós-guerra. Melhor dizendo, poderia ser a história de qualquer trabalhador que vive tentando sustentar a família. Situar o enredo em seu contexto histórico é importante para a análise, mas o caráter atemporal da produção também nos permite voltar o foco para outro aspecto. Voltaremos a luz para algo menos amplo.
A busca incessante pela bicicleta – o meio de sustento – não se apresenta como uma corrida desesperada nem como um apelo dramático. Ladrões de Bicicletas vai tocando nas feridas devagar, tanto nos problemas referentes ao homem enquanto ser social como enquanto indivíduo. Tenho a pretensão de dizer, que há humanidade dentro da tela. Todos nós temos um pouquinho de Ladrões de Bicicletas em nosso cotidiano. Modificando um clichê, não é a vida como ela é, é a vida como ela se mostra.
As interpretações não são nem um pouco teatrais. Pelo contrário, são bastante cotidianas. Este talvez seja o motivo da beleza. Presumo que não funcionaria se essa simplicidade fosse substituída pelo perfeccionismo erudito. O filme precisa de naturalidade para contar o que deseja. As interpretações transbordam essa naturalidade. A que mais emociona, não poderia ser mais simples e natural. A atuação do garoto é de segurar para não chorar. É ele quem nos presenteia com os melhores momentos da película.
Em torno da bicicleta, a vida de um homem. Em torno da bicicleta, um homem. Em torno da bicicleta, a vida. Impossível ficar indiferente.


The King of Limbs: Hermético, demasiado hermético


O barulho de um lançamento do Radiohead é inevitável. Os álbuns que sucederam o Ok Computer tenderam a ser recebidos com muito alarde. O que esperar do sucessor do In Rainbows então?
Escrever algo sobre o Radiohead é um caso complicado. Uma banda superestimada. Ótima banda, ótimos músicos. Apenas. Atribuir a eles pioneirismos relevantes ou a responsabilidade de uma “revolução musical” é exagero. O Ok Computer é um disco maravilhoso, mas não divide o tempo em antes e depois do álbum. O Kid A não é a obra-prima do milênio. O Amnesiac se assemelha a uma compilação de B-sides. O Hail to the Thief não é o retorno majestoso às guitarras. O In Rainbows é bom, mas grande parte do alarde engendrado por ele é proveniente da jogada de mestre de sua distribuição. Boas produções, com vários momentos bons e uns poucos ruins.
The King of Limbs vem pra romper com quase quatro anos de jejum de um álbum de inéditas. Chega devagar, carregado por minimalismos, marcado majoritariamente pelo eletrônico e pontuado por texturas peculiares. Depois, a melodia aparece e traz os melhores momentos do álbum. Pena que quando a simplicidade consegue o que o experimentalismo não conseguiu fazer, o álbum já está quase no fim.
O experimentalismo é uma faca de dois gumes. A linha que separa a “liberdade criativa experimental” do “experimentalismo pelo experimentalismo” é bastante frágil. Fugir do usual não é problema. O problema é quando essa fuga deixa a essência fugir. Apresentando dessa forma, parece que é algo particular do experimentalismo. Não é. É algo que toca uma vastidão de temas. Muitas vezes o que parece essencialmente normal, sem espaços vazios, deixa escapar a essência. Minhas insatisfações com o álbum rumam para este ponto: a ausência de essência melódica em grande parte de sua extensão.
É puramente uma questão de gosto pessoal o fato de o álbum me parecer estranho aos ouvidos. E isso não é por falta de experiência auditiva, é que não consigo me aproximar da peças musicais que apresentam essa orientação. A absorção é estranha. Talvez a explicação para esse distanciamento seja meu primor pela melodia. Embora aprecie com certa intensidade a utilização de texturas – largamente utilizadas no álbum –, não as desligo de outros aspectos. Textura por textura somente não funciona. Para mim, experimentalismo por experimentalismo também não. The King of Limbs não é experimental injustificadamente, mas em vários momentos deixa faltar essência melódica.
Faixa-a-faixa:
Bloom
Claustrofobia. Minimalismo em todos os canais, uma confusão sonora pontuada pela voz do Thom Yorke, muitos sintetizadores, uma linha percussiva repetitiva... Claustrofobia é a sensação.
Morning Mr Magpie
Estática, apesar dos movimentos.
Little By Little
Interessante. Ótima harmonia instrumental. Mas ainda me parece estranha os ouvidos.
Feral
Confusa. Base eletrônica e muitos ruídos.
Lotus Flower
A quase-balada do álbum.
Codex
Quando o piano introduziu a minha primeira audição, pensei que seria algo parecido com Videotape. Mas não. Surpreendi-me positivamente. É nesse ponto do álbum onde se recupera a essência melódica que traz o brilho para o álbum. É na simplicidade que Codex vence o ouvinte.
Give Up The Ghost
A anterior já teria feito valer o álbum. Mas a coisa ficou melhor. Give Up The Ghost nos presenteia com sua singela beleza. Transcorre naturalmente, a repetição não é problema.
Separator
A faixa que chega para encerrar esse curto álbum é até simpática, mas falta alguma coisa... Final inconcluso.

Só o tempo dirá se essa descontinuidade melódica enriquecerá ou desfigurará os detalhes sonoros. No fim, de nada valem “produções geniais” que não conseguem comunicar. Esse é o problema da tendência contemporânea de robotizar a música: falta de essência, incomunicabilidade. Seria esse o caso do Radiohead? Para álbuns desse tipo, um tempo de maturação auditiva é necessário.
The King of Limbs: Hermético, demasiado hermético. Aqui, o hermetismo não é por falta de compreensão, é por falta de absorção. Ou para alguns – e nesse ponto me incluo? – por falta do que compreender.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A Janela de Godard: Demônio das Onze Horas


Falar de Godard é complicado. Muita gente torce o nariz, insiste que é demasiado chato, arrogante, pretensioso. Talvez seja isso mesmo ou algo aproximado. Mas isso não importa, porque chato não implica que seja ruim, legal não significa que seja bom. Depende do ponto de vista.
Demônio das Onze Horas (Pierrot le Fou) é um romance policial nem tão romântico assim. Não parece nem de longe com os romances contemporâneos famosos. Nem tão pouco quanto aos policiais.
Sem grandes intrigas, sensacionalismos ou pieguices. Diria que é complicado pela sua descomplicação. O que normalmente estamos habituados a ver na tela são personagens “super-heróis”, bastante complexos, recheados de conflitos. Em geral, é claro. Não são poucas as produções que se distanciam dessa estética “Liga da Justiça” (ou Liga do Amor, como preferirem) como também não são poucas as que voltam sua luz cinematográfica para isso. E isso nada tem a ver com a possibilidade real de o personagem existir no mundo tangível, vulgo “fora da tela”. Tem a ver com jogar informações – que de início seriam “incríveis” para os espectadores, mas que no fundo não conseguem se justificar – nos personagens e no próprio filme e esquecer a essência, o modo como as coisas são apresentadas.
Pode-se pensar que Godard “joga” informações, mas não vejo dessa forma. Mesmo os momentos “desconexos” não são construídos nem desconstruídos com o simples depósito de informações. Não se esbarra em justificativas rasas porque nem tudo precisa ser justificado. Neste filme em particular, sinto os personagens passearem por seus caminhos e descaminhos de forma leve, como se fossem parte de uma brisa confusa. Sem muita perfeição, seguimos a estrada com Marianne e Ferdinand, um com mais parafusos fora do lugar que o outro, numa viagem agradabilíssima.

O filme é recheado de referências, de fragmentos cinematográficos para falar de outros assuntos ou do próprio cinema. É aqui onde a marca de Godard aparece, nessa brincadeira com a metalinguagem, onde as dúvidas são provocadas sem necessariamente levar a respostas. O capitalismo, assim como o modo de vida da sociedade da época – que estão intimamente interligados – são questionados de forma mais sutil do que em outras produções desse mesmo realizador, mas continuam ali. Um dos meus momentos preferidos do longa é a encenação de uma pequena peça sobre a Guerra do Vietnã para um grupo de americanos. É uma passagem sarcasticamente deliciosa, muito bem executada, muito bem articulada. Divertidíssima de ser vista, principalmente quando percebemos o teor de crítica introduzido numa representação da guerra para os americanos.
Eu não poderia separar-me das minhas impressões para externar expressões do filme. Digo, por mais que eu tente tornar as análises impessoais, sempre haverá resquícios passionais. E para os filmes do Godard dificilmente funcionaria de outra forma. Demônio das onze horas é um refúgio para os parafusos soltos... Uma deliciosa película repleta de belas interpretações, de descaminhos que não levam a lugar algum, mas trazem bons instantes.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Diálogo

A vida olhou para mim:
- Não me deixes.
Abri os olhos:
- Não te deixareis, nunca!
Ela sorriu:
- Ainda bem.
Devolvi o sorriso.
- Não vás embora.
Nesse momento, a vida me abraçou:
- Estou aqui.

Dez Minutos Mais Velho


  
  O que é o tempo? Essa indagação carrega outra. Como poderíamos precisar a definição de tempo sem nos perguntar como o vemos? O conceito de tempo esbarra na nossa significação do mesmo. Se não esbarrar, o conceito possivelmente é raso, impessoal.

  Dez Minutos mais Velho (Ten Minutes Older), projeto concebido por Nicolas McClintock, é uma película que reúne vários curtas de diversos diretores, onde cada um apresenta suas impressões sobre o tempo. Melhor dizendo, suas visões sobre o tempo. Quinze diretores participam, sendo sete no primeiro (The Trumpet) e oito no segundo (The Cello).

  Apesar de estarem ligados por um mesmo tema, os curtas exploram várias direções. Embora apresentem apenas dez minutos de duração, permitem ao espectador um olhar mais demorado. No geral, são belas produções que conseguem traçar distintos caminhos sobre um mesmo tema. Cada um tem suas particularidades, as fotografias são bem diferentes umas das outras, o enfoque não é o mesmo, as construções são bastante diferenciadas. Isso é muito interessante. A cada dez minutos, uma nova descoberta para o espectador.

  Segundo Gabriel García Marquez, um conto ou anda ou desanda. Penso que isso acontece com os curtas. Ou andam ou desandam. Nos longas, como o tempo é maior, uma desviada de atenção pode não comprometer. Mas se o curta destoa em algum momento, é bem provável que ele desande. Observei isso – tenho que ressaltar que é uma opinião pessoal – em um curta em especial. “Vers Nancy”, de Claire Denis, desanda não porque a proposta seja ruim ou que não tenha momentos bons (o final é interessantíssimo). Desanda porque se apresenta demasiado enfadonho e acaba cansando o espectador. Dez minutos parecem demorar muito mais. Outra façanha do tempo: ele parece não se importar muito com a nossa contagem.

  Com exceção do citado acima, os outros se mostraram muito bons, pelo menos sob minha ótica. Menções honrosas para Lifeline (Victor Erice), Ten Thousand Years Older (Werner Herzog) e 100 Flowers Hidden Deep (Chen Kaige) no The Trumpet e Histoire d'eaux (Bernardo Bertolucci), The Enlightenment (Volker Schlöndorff) e Dans le noir du temps (Jean Luc-Godard) no The Cello. Excelentes, surpreendentes.

  O que é o tempo? Não sei. Embora não tenha a pretensão de obter uma resposta, aprecio refletir sobre ele. E se essa reflexão acompanhar belas produções cinematográficas, fica muito melhor. Dez Minutos mais Velho é uma ótima companhia.

domingo, 30 de janeiro de 2011

A Janela de Godard: Nossa Música

  
  “O que vemos diante de nós é uma história sem pensamento, como se herdada de uma vontade impossível. Mais do que nunca, sem dúvida, estamos diante do nada.” 

  O inferno, o purgatório, o paraíso. O som, o texto, a imagem. A ficção, a realidade, o imaginário. A política, a poesia, o ser humano. O pensamento, as cores, as luzes. A certeza, a incerteza, a ilusão. O sofrimento, a morte, a vida. A música, o cinema. O ser humano, a música. Nossas contradições, nossa arte. Nossa Música.

  Nossa Música (Notre Musique, 2004) é um filme-ensaio, que tal qual como a Divina Comédia de Dante, estrutura-se em três reinos: Inferno, purgatório e paraíso. Nós, espectadores, somos conduzidos por vários momentos, várias linguagens, vários pensamentos. Somos envolvidos pela multiplicidade de perspectivas através da Janela de Godard.
  
  No inferno, guerras, sofrimento, dor, violência, morte. As imagens são pontuadas por belíssimas peças de piano, alguns segundos de silêncio e umas poucas palavras. O brilho das cores, mesmo quando a fotografia é em P&B, parece destacar os sentimentos de dor. Em determinados momentos, o estrondo do som do piano parece lembrar o sofrimento pungente. A guerra, a destruição, a agonia. “Perdoa nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tenha ofendido. Sim, como nós perdoamos, perdoa-nos.” A questão do perdão é apresentada, tocando num ponto delicado: a vítima é quem pede perdão. Quem está a sofrer, deve pedir perdão, mesmo que nada tenha a ver com a culpa. A culpa, o arrependimento e o perdão nem sempre estão juntos e isso não é difícil de visualizar onde vivemos, embora nos digam justamente o contrário.

  O purgatório é o momento mais intricado da película. Os personagens não são entrelaçados por um fio condutor, o foco passeia por uma vastidão de perspectivas. O cenário é a Sarajevo atual, palco das guerras mundiais e da guerrilha (92-95). Uma cidade marcada. “Quando tudo termina, nada mais é como antes. A violência... A violência deixa marcas profundas.” O nosso purgatório é onde vivemos, um lugar de feridas abertas... “Matar um homem para defender uma ideia não é defender uma ideia. É matar um homem.”

  As questões que envolvem o conflito Israel x Palestina são introduzidas por Olga, uma jornalista francesa e judia de origem russa. “Já um amigo em Haifa, diz que não sonha com o inimigo, mas com ele mesmo. Não com Israel, mas com a Palestina.” Olga entrevista o embaixador francês e um poeta palestino. Num ponto, a ideia de que os escritores não sabem o que falam, que quem age não tem tempo para contar, quem conta é apenas observador. “Homero nada sabia sobre batalhas, massacres, triunfos, glória. Ele era cego e estava entediado. Precisava se contentar em contar o que os outros fazem.” No outro ponto, o poeta palestino, diz que não há mais espaço para Homero, que os troianos necessitariam de um poeta para contar a sua história. Não se pode contar a história de Tróia pela boca de um grego e ele tenta ser o poeta dos troianos, o poeta dos vencidos. “Pode um povo ser forte sem escrever poesia?”

   
  “Se nossa época alcançou uma interminável força de destruição, é preciso fazer uma revolução que crie uma indeterminável força de criação, que fortaleça as lembranças, que delineie os sonhos, que materialize as imagens”.


  Godard, interpretando ele mesmo, ministra uma palestra sobre texto e imagem. Introduz-nos os conceitos de campo e contra campo. Como exemplo, mostra duas imagens de um filme de Hawks e afirma que se olharmos bem para as fotografias, veremos que, na verdade, se trata da mesma imagem repetida. “Isso porque o diretor é incapaz de ver a diferença entre um homem e uma mulher.” Imaginação, visão. Ficção, realidade. Certeza, incerteza. “A verdade tem duas faces”, constante que aparece algumas vezes ao longo da película. Os israelitas entram na água rumo à Terra Prometida, os palestinos entram na água rumo ao afogamento. Campo e contra campo. Um se torna ficção, o outro documentário. A mesma imagem. “O princípio do cinema: ir até a luz e apontá-la para a nossa noite. Nossa música.”

  A reconstrução da ponte de Mostan, simbolizando a passagem da culpa pelo perdão. “Duas faces e uma verdade: a ponte.”

 “É como uma imagem que vem de longe. São duas, lado a lado. Ao lado dela, estou eu. Ela nunca vi. Mas me reconheço.” Nesse momento, a imagem é desfocada. Olga se aproxima e o foco retorna quando chega perto. Ela olha em direção à câmera como se estivesse a encarar uma pessoa. O quadro que vemos a seguir, mostra Olga de costas, como se quem ela estivesse a olhar fosse ela mesma. Indescritível.

  Há vários outros momentos que gostaria de destacar, devido à já citada multiplicidade de olhares que visualizamos no decorrer da película. Mas para não estender demasiadamente o texto, vamos à última parte: o Paraíso. Neste reino, vemos Olga num lugar bonito, predominantemente verde, que supostamente exala paz. Não fica muito claro – o filme não deixa as coisas muito óbvias no geral –, mas o fato do lugar estar “protegido” por fuzileiros da marinha norte-americana me parece uma sátira à hegemonia dos EUA sobre o resto do mundo...

  Nossa Música é uma reflexão. Reflexão sobre o mundo, sobre o ser humano e as questões que os entrelaçam. E como toda boa reflexão, não nos dá respostas óbvias, mas acende questionamentos. Inferno, Purgatório e Paraíso são extensões da nossa realidade. Só não sabemos muito bem onde começam esses reinos supostamente imaginários e termina o nosso mundo e vice-e-versa. Não há uma linha divisória: estamos no Paraíso, no Purgatório e no Inferno. Tanto a visão quanto a imaginação fazem parte do ser humano. Feche os olhos, olhe lá... Godard nos traz o pensamento em forma de arte. “Pode um povo ser forte sem escrever poesia?” Como sobreviveria um povo sem arte?


sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O que temos aqui?

O que temos aqui,
se não me olhas nos olhos?
Como podes me ver,
sem sentir coisa alguma?

O que temos aqui
entre o frio e o silêncio?
Como podes fingir
que algo temos aqui?

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A Batalha do Chile, a Luta de um Povo Sem Armas


      “O cineasta não é um observador neutro e desapaixonado da realidade. É um participante ativo.”
                                                                                                                Patricio Guzmán, cineasta

   Me parece que a História Oficial geralmente tende a afastar de nossos olhares a História onde o povo figura como sujeito, e não apenas como observador distante. Isso gera um distanciamento, uma sensação de impotência popular. É o mecanismo perfeito para afastar a História dos que a construíram. 

  Patricio Guzmán, em “A Batalha do Chile”, captura um momento bastante difícil (e significativo!) da história do Chile e da América Latina: o governo de Salvador Allende e o golpe de Estado que o derrubou. A tentativa de chegar ao socialismo por via democrática, impedida pelos esforços da oposição e dos EUA, engendrou uma complicada situação.

  O documentário mostra o desenrolar da luta de classes, acirrada pelas crises, até o advento do golpe de Estado. Na verdade, não se apresenta tão linear assim. A película é dividida em três partes: A Insurreição da Burguesia, O golpe de Estado e O Poder Popular. Na primeira parte, visualizamos, em primeiro plano, os esforços dos opositores para derrubar o governo da Unidade Popular. A direita – Partido Nacional e Democracia Cristã – possuía maioria no Congresso e fazia disso um poderoso instrumento contra Allende e os intentos de alcançar o socialismo. Em sua última cena, o cinegrafista argentino filma sua morte a tiros vindos das mãos de um oficial do exército. É um prenúncio para o que vem a seguir: O Golpe de Estado.

  Como o nome já anuncia, a segunda parte do documentário traz os momentos que “preparam” o golpe. As crises, as greves nos transportes, as contradições na esquerda, o fascismo de grupos de extrema-direita, as conspirações militares. A oposição, com o auxílio dos EUA, atirava para todos os lados, espremia o governo com todos os artifícios “legais” e ilegais que lhe valessem. Apesar da tentativa de aproximação de Allende, a Democracia-Cristã negou o acordo com o governo. Com a estrutura chilena já bastante tensionada e o governo sendo golpeado a duros punhos, o caminho para o golpe foi aberto. Em 11 de Setembro de 1973, o Palácio do Governo é bombardeado por Pinochet. Salvador Allende, antes de sua morte, deixa um belo discurso. Um discurso de um homem que tentou instaurar o governo do povo valendo-se da estrutura democrática. Mas a estrutura democrática não parece tão democrática assim.

  Na última parte, O Poder Popular, vemos um povo com consciência, organizando-se para que o poder chegasse realmente nas mãos dos trabalhadores. Porque apesar das várias nacionalizações e das tentativas de fazer andar o processo revolucionário, o Chile ainda era sufocado por um Estado Burguês. Dois, na verdade. O imperialismo estado-unidense estava ali, fomentando as crises. Diante das várias barreiras em sua frente, o povo articula-se para neutralizar a crise, utilizando-se de cordões industriais, comitês camponeses, abastecimento comunitário e de sua principal arma: a força popular. É essa força que faz ecoar o lema: “Criar, criar, poder popular”. Assim, os trabalhadores chilenos atuam como sujeitos, questionando, organizando, intervindo e agindo. E para os que dão ouvidos unicamente à História dos opressores, o povo mostra que não é apenas número, massa impotente, rebanho manipulável...

  A Batalha do Chile: A Luta de um Povo Sem Armas documenta a transformação de um sonho em ruínas e a construção de um governo opressor em cima delas. Mais que isso: não deixa a memória se esvair. Nas palavras de Guzmán: “No Chile, demoliu-se tão sistematicamente a imagem do governo Allende nos últimos 30 anos que tenho a impressão de que o filme é a única prova de que aquilo existiu”.


Outra vez advertindo

Trago aqui o sinal de uma emergência,
Toco o alarme ao povo vencedor.

É preciso juntar força e consciência,
O Chile é uma batalha de existência
- Batalha da honra e do amor.

                                             Pablo Neruda




sábado, 22 de janeiro de 2011

Os Sonhos Não Sangram

   Numa de minhas viagens ao interior, estive observando figuras de um cotidiano do qual eu não participava. O nome da cidade não é importante, acho que nem lembro qual é. O que importa é o que guardei. E nessa caixa de lembranças bem marcadas, encontra-se um certo senhor.

  Devia ter uns 50 anos e provavelmente havia passado a maior parte da sua vida na lavoura. Tinha as mãos calejadas e a face com marcas de sol, mas era relativamente alto e forte. Ainda tinha muita força para trabalhar, dizia. Trabalhava para um grande proprietário desde que seu pequeno pedaço de terra foi tomado pelo banco. (Eu também trabalhava para esse mesmo proprietário, só que numa empresa urbana – pra você ver!) E a vida era dura, sim. Mas ele ainda carregava um sorriso em seu rosto grosseiro.

  Porém não foi isso que me surpreendeu nele. O que me despertou a minha curiosidade nele era um hábito, eu diria, peculiar. Depois da sua árdua jornada de trabalho que começava às quatro da manhã e terminava ás seis da noite, ele jantava e se dirigia para o que ele denominava “fábrica de sonhos”. Não era nada que coubesse nas minhas tentativas de visualizar uma “fábrica de sonhos”, era apenas uma oficina de artesanato. Mas ao vê-lo manusear aquilo com tanto esmero, ao observar seus olhos brilhando ao me mostrar a transformação do barro em escultura, senti que era algo a mais.

  Um dia desses estava a conversar com ele, enquanto ele capinava e preparava a terra (Juro que ajudaria no serviço dele se o sol e o cansaço físico não me impedissem). Disse que as peças dele eram maravilhosas e perguntei qual era a sua motivação para criar coisas tão belas no meio daquilo tudo. Ele me disse que não precisava de motivação, o que ele fazia era sua motivação, que o artesanato era o seu sonho. E disse também que isso era a única coisa que não podiam ferir. Podiam ferir sua liberdade, suas mãos, seus direitos... Qualquer coisa... Mas não podiam ferir seu sonho, pois não conseguiriam alcançá-lo. Não tirariam dele uma gota de sangue, porque os sonhos não sangram...

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

No Meio de Tudo os Engenheiros do Hawaii...

Por que eu demorei tanto para dar atenção aos Engenheiros do Hawaii? Se eu acreditasse em destino, que tudo está escrito, que tudo tem uma hora certa para acontecer ou coisas do tipo, certamente encontraria facilmente uma resposta. Mas não, nem tudo tem que ter explicação... Se bem que a companhia da banda tem sido “providencial” nesses últimos tempos... Mas deixemos essa história de destino para lá. O fato é que fui injusta com a banda.
Acho que foi em 2008 que fui “realmente apresentada” aos Engenheiros. Certamente já havia ouvido alguma coisa, mas sem “parar para ouvir”. E, ouvir música sem prestar atenção não é ouvir música (sou chata mesmo!). Acontece que o amigo que me mostrou a banda é daquelas pessoas que querem mostrar tudo ao mesmo tempo, de modo que ele ficava repetindo: “você tem que ouvir essa!” e acabava passando as músicas e não parava em nenhuma. (Bons tempos!)
O tempo foi passando, e volta e meia no “você tem que ouvir essa música” figurava o Engenheiros do Hawaii. Mas eu não tinha a decência de parar para ouvir um álbum. Até que há alguns meses atrás resolvi – não me pergunte o motivo, que não vou saber – dar uma chance à banda. Só não sabia eu que estava dando chances a mim mesma...

Eis a culpada, a canção que me “obrigou” ouvir mais essa banda maravilhosa...



E a que constantamente fica martelando aqui...



segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Inverso...

Curiosamente, minhas trilhas sonoras prediletas – Into the Wild(Na Natureza Selvagem) e Diários de Motocicleta – foram ouvidas antes que eu assistisse aos respectivos filmes. Bem antes, questão de anos.
Porque eu demorei tanto tempo para assistir aos filmes se tinha gostado tanto da trilha sonora? Eu não sei. O que eu sei é que foi interessante ver como a música “se encaixava” em cada cena, como complementava “a atmosfera” do filme, como catalisava as emoções, como se integrava à fotografia... “Conhecer ao inverso” me oportunizou um olhar diferente, o sabor de conhecer novamente o já bastante conhecido. As trilhas trouxeram mais beleza aos filmes, e principalmente, sensibilizaram esse inquieto coração que vos escreve. 
As produções se tangenciam no ponto em que se mostram – pelo menos aos meus olhos – como buscas... Buscas pela verdade, pela liberdade, pelo conhecer, pelo vivenciar. Cada uma apresenta-se a seu modo, obviamente. Mas no fundo, os espectadores que se sensibilizam, o fazem pelo mesmo motivo, porque suas vidas também são cheias de buscas ou desejos de buscas e os filmes parecem acender questionamentos e identificações pessoais.
Essa “aproximação” que as películas permitem com os que assistem ocorre porque os enredos não se desenrolam com distanciamento, poderia ser qualquer um de nós naquelas situações. Claro que há os floreios cinematográficos, mas o que “chega”, o que marca, o que fica em que assiste são impressões humanas, reais. De fato, foram baseadas em fatos reais, mas se não fossem, não importaria, “chegaria” do mesmo jeito. Ouso dizer que se você assiste sem esse conhecimento prévio de que são produções baseadas em escritos de experiências de certos “alguéns”, não pensaria nesse aspecto.
Não sei se isso ocorreu a mais alguém, mas acabo relacionando esses filmes à reflexão da vagueza de certos conceitos arraigados em nós. Liberdade, justiça, sensatez, sucessos, obrigações, progressos, certos, errados, bons, maus... Isso tudo é facilmente moldado pelas morais e inclinado para interpretação mais confortável, não para todas as pessoas, mas para manter intactas as vestes superficiais do jogo de interesses que chamamos de sistema social. Acabamos criando uma “consciência de rebanho” ao aceitarmos essa cadeia de contradições que nos é imposta e nos distanciando das relações humanas, da natureza, da memória viva. Acredite, o simples conhecer pessoas, lugares e histórias nos afasta dos artificialismos e nos faz sentir mais próximos de nós mesmos e de tudo o que nos cerca. 
Para completar, os filmes possuem ambientações belíssimas. Da Natureza Selvagem de Into The Wild à vasta e maravilhosa “América Latina que não é mostrada nos livros”de Diários de Motocicleta. Não poderia deixar de citar esse aspecto, mas não tenho muito a falar dele, é melhor que vejam...
No mais, só dois belos filmes somados à deliciosas trilhas sonoras que lembram que nosso sangue corre em veias e não em fibras óticas. 

Sabe aquela estória de não se julgar um livro pela capa? Acho que isso não se aplica aqui... Podem julgar esses filmes pela trilha sonora...



quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Sem Título

Atrasado. Ah, novidade! Eu já estou acostumado aos atrasos de ônibus, mas imaginei que pelo fato de estar mais estressado que o usual seria poupado desse incômodo cotidiano. E hoje é bem pior, porque não é o coletivo de todos os dias, é um interurbano. Tenho que resolver os pepinos da empresa sabe se lá onde. Só sobra para mim.
Tenho reclamado muito ultimamente. Não me leve a mal, mas é que estou farto disso tudo. Pode soar “revoltado demais”, mas é que cansei. Cansei de fazer tudo certinho e nunca acertar integralmente. Não é preguiça, não é que não tenha vontade de acertar. É que parece que nada é suficientemente bom, que nunca – por mais que se esforce – o certo é integralmente certo. Mais que isso, cansei de nunca me permitir viver por causa disso. Então você me pergunta por que estou fazendo essa viagem de trabalho que tanto me irrita. E te digo, não sei. Talvez porque seja covarde o bastante para fazer o que penso, para combater o que me incomoda. Talvez por que seja mais fácil ficar assim, mesmo que isso me traga umas rugas a mais. Talvez porque as coisas não funcionam deste modo, não posso ceder aos meus instintos, tenho que dar razão à razão, dar razão ao que é certo. Pronto! Caí na minha própria armadilha, acabei fazendo exatamente o que tanto critico, aquilo que tanto me farta. E depois me pergunto por que poucas pessoas aguentam minha conversa...
Nesse ponto da minha mesquinha reflexão interior, sou interrompido por alguém (ainda bem, provavelmente já estava te deixando farto...). Uma garotinha de uns dez ou doze anos faz-me gentilmente um pedido:
– Moço, posso me sentar ao seu lado?
– Pode sim. Respondi secamente, deveria ser mais educado, mas minha impaciência me impedia.
– Obrigada. Poderia me responder uma pergunta?
Pensei automaticamente naquela frase usual: “Já está perguntando!”, mas me contive, afinal era uma criança. Penso que a arrogância não deve ser usada com crianças, é coisa de adulto. Tentei ser educado, mas como não estava para conversas, acabei sendo indelicado:
– Posso, mas já vou avisando que estou de mau humor. E onde estão seus pais? Deveria estar com deles e não falando com um estranho!
– Calma, moço. Minha mãe está logo ali, ela é funcionária daqui. Só queria perguntar porque estava falando sozinho.
– Eu? Falando sozinho? Acho que ouviu demais... Ou pensou ter ouvido demais?
– Não, estou falando sério.
– Droga! Ah, desculpa... É que às vezes resmungo um pouco alto.
– Falar sozinho não é problema. Só acho que quando está com problemas, é melhor conversar com outra pessoa.
– Quem te disse que estou com problemas? Falei num tom mais alto do que seria normal para uma conversa e todos me olharam com aquela cara de reprovação por estar gritando com uma menininha. Constrangido, pedi desculpas a todos, e disse que era por causa do meu péssimo humor. O que não convenceu ninguém, até que a garotinha que eu não sei o nome ainda levantou-se e falou em um doce e largo tom:
– Ele é bonzinho, só está como todos vocês: estressados. Não olhem assim pra ele.
Sentei-me e comecei a rir da situação, e com ar de riso, não de impaciência, disse:
– E quem disse que estou estressado?
Ela riu, e o riso pareceu contagiar os que estavam como eu, a esperar pelo ônibus. As pessoas começaram a rir sem ter bem por que. Quando a crise de riso passou, ela voltou-se para mim e perguntou, ainda rindo por dentro:
– E o que te faz tão estressado, tão insatisfeito, tão resmungão?
– Ah, as mesmas coisas de todo mundo... O cansaço, as chatices de fazer o que não se gosta, a frustação de nunca fazer nada certo de verdade, aquelas coisas de adulto. Você não vai entender...
– Que mania de vocês de complicarem tudo!
– Não é bem complicação, é que certas coisas são necessárias...
– Eu sei disso, mas... É que vocês adultos se preocupam demais com coisas que nem são tão necessárias assim... Pelo menos não mais que um sorriso, um abraço, uma conversa... Você parecia que não tinha dado umas boas gargalhadas há muito tempo pelo desespero do riso!
Fiquei meio sem saber o que dizer nessa hora. E ainda estou meio desconcertado, mas sorri naturalmente (o que é raro acontecimento nesses meus 35 anos mal vividos) e disse:
– Tá! Você ganhou, adultos são chatos mesmo.
Nesse momento, o ônibus estava se aproximando da rodoviária.
– Disso eu já sei. Posso perguntar uma coisa antes de ir embora?
– Sim, claro. Ainda temos um tempo antes da troca de motoristas.
– Você tem um sonho?
– Tenho sim. Meu sonho é chegar à perfeição, fazer alguma coisa certa que seja certa.
– Pois desista. Arrume outro.
– Por quê? Perguntei assustado, imaginava que ela iria apoiar meu sonho, me dizer para seguir em frente. Então, ela me respondeu calmamente:
– Porque a perfeição dos adultos não é possível. Segundo vocês, perfeito é o que se deve ser, mas não se pode ser.
Acho que ela deve ter percebido meu semblante de interrogação e prosseguiu:
– Digo, vocês sempre querem ser algo que não são e por mais que se esforcem, não conseguirão ser o que querem.  E isso nada tem a ver com a vontade de melhorar sempre. Como você vai melhorar se não se deixa sorrir?
Não respondi coisa alguma, apenas guardei aquilo. O infeliz do ônibus já estava com os motores ligados e os passageiros já estavam embarcando. Era hora de ir. Levantei-me, disse um “até mais” e um obrigado mentalmente e me dirigi à fila para entrar no interurbano. Cheguei e me sentei à janela, ao lado de uma senhorinha simpática que faria gosto conversar se ela não tivesse um sono instantâneo. Só foi o tempo de acomodar-me na desconfortável cadeira e quando tornei a olhar, ela já havia caído no sono. Pus-me a rir dessas coisas imprevisíveis que acontecem no cotidiano. Naquela noite dormi e sonhei. Sim, sonhei. Sonhei que vivia, que corria, que sorria. É bom fazer isso de vez em quando.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

García Marquez e o Chocolate...

Ler Gabriel García Marquez é como saborear chocolate. Talvez seja um exagero desnecessário fazer essa analogia. Ou talvez seja loucura mesmo, já que uma coisa não tem nada a ver com a outra... Mas não seria na loucura que começam a se assemelhar?
Vou tentar explicar melhor. O que quero dizer é que a apreciação tanto de um como de outro te envolve numa atmosfera de loucura. Podem parecer absurdos, irreais e podem até o ser em alguns momentos. Mas certamente quando se toma contato, deixam impressões inesquecíveis, abstratamente reais. No fundo, sabe-se que é real, mas alguém “pincelou magicamente”, se posso assim dizer. São desconcertantes. Deliciosamente doces e perversos. Saborosamente doentios. E até descompromissadamente naturais, nada forçado.  
Os apreciadores compartilham do mesmo dilema. Querem experienciar, mas não querem que acabe. Últimas páginas e últimas mordidas... O importante é aproveitar essa magia e quando acabar, preparar-se para um novo título e um novo chocolate.
Após ler Do Amor e outros Demônios, fico a pensar se não seria o amor um demônio, se não seria a leitura um demônio, se não seria o chocolate um demônio...

Notas :
1) Existem restrições quanto ao consumo do chocolate. É bem sabido que não se deve consumir em demasia. Mas de vez em quando... Quanto à obra de Gabriel García Marquez, acredito que não haja restrições...
2) Refiro-me ao chocolate mesmo, nada de “alguma coisa de chocolate”.  Adoro chocolate, mas geralmente seus derivados não costumam me agradar...
3) Não leve muito a sério (se é que alguém lê isso), a analogia é ruim mesmo. E a palavra demônio do final não deve ser entendida literalmente, no sentido que se costuma atribuir à palavra. Foi só uma forma de externar uma impressão, fazendo ligação com o livro. Apenas um olhar mais demorado, mas nem por isso certeiro.

Alguém disse melhor... (2)

Não sei o motivo, mas esse é o meu poema preferido do Manuel Bandeira...

Desencanto


Eu faço versos como quem chora
De desalento.. de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo de nenhum pranto.


Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.


E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca


Eu faço versos como quem morre.

                                    Manuel Bandeira
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