segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Versos Íntimos, Augusto dos Anjos

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a ingratidão - esta pantera
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

                              Augusto dos Anjos

Psicologia de um vencido, Augusto dos Anjos

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme – este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
                                
                                   Augusto dos Anjos

Soneto impecável, espelha em seus versos uma carga emocional enorme, trazendo a morte como fim inevitável, explorando aspectos antipoéticos e utilizando-se do naturalismo para dar forma a uma síntese da vida/morte, que apesar de ser centrada no eu-lírico, apresenta-se de modo universal.
Não sou uma grande apreciadora de poesia. Deveria.
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