domingo, 13 de março de 2011

Cisne Negro, um abismo da perfeição?


      Debruçar-se sobre si. Talvez essa seja a máxima que exigiria alguma obra que se propusesse sustentar em terreno wagneriano. A grandiosidade, o peso trágico-dramático, a insistência na perfeição. Um filme que almejasse tocar a obra de Wagner, por certo teria que possuir esses elementos para “debruçar-se sobre si mesmo”. Mas não é de Wagner que Cisne Negro se alimenta, é de Tchaikovsky. E Tchaikovsky, com seu Lago dos Cisnes, não traz – apesar da carga dramática – o peso operesco do drama. Em vez disso, exala leveza. Uma leveza que guia o movimento, uma beleza que dança ela mesma. E o que Cisne Negro parece fazer não é dançar levemente através da tela, é debruçar-se sobre si.

    Cisne Negro é todo Nina Sayers. A personagem não está no filme, ela é o filme. Se Nina insiste em cair no abismo da perfeição, Cisne Negro se obstina a segui-la. Nada acontece fora dela, e tudo acontece dentro dela. Somos levados a observar através de um só olhar: o de Nina. Mas o problema não é a unilateralidade do olhar, é o próprio olhar. Por vezes rápido demais, cortado antes de alguma reação. Embora as imagens busquem o efeito, não há talvez tempo ou espaço suficientes para que elas consigam expressar. Claro que há sequências muito boas, mas no geral, falta um olhar mais demorado – não em relação ao tempo, mas à profundidade. Quando não isso, a repetição: uma outra imagem para dizer o que já foi dito. Esse personagem claustrofóbico quer efeito, cada ação exige desesperadamente dele mesmo. O sofrimento delineia sua trajetória de afirmação, transformação e reafirmação. Ao invés de tentar atenuar, Nina entrega-se ao sofrimento, e Cisne Negro entrega-se a Nina. E é essa entrega que dá forma aos melhores momentos da película.


    Não há possibilidade de saída: os dois, filme e personagem, estão presos à estática como Nina está presa a si mesma, ou como o filme está preso a Nina. Quase não há movimento na narrativa, a personagem parece andar em linha reta em grande parte dos momentos. Se Aronofsky foi hábil em construir o drama psicológico da personagem e dar à ela poder sobre suas realidades e ilusões (sobre toda a película, na verdade), pecou ao torná-la estática, sem o brilho do movimento. Muito embora as idas e vindas psicológicas sugiram sair do lugar, não o fazem. E Cisne Negro transcorre assim: fechado, sufocado no mundo de Nina. 


    Se fosse uma obra de Wagner que fosse ser (re)interpretada, a busca pela perfeição não seria um problema. Se o fosse, eu não faria objeções nesse ponto. Mas não, aqui se trata de Tchaikovsky. E neste, olhar para si não é o segredo. O que é necessário é olhar além: a beleza não está em visões fechadas e sim na amplitude de olhares. É algo que necessita de movimento, intuição.  

    A perfeição é um instrumento de alienação. É criar uma ilusão que distancia o sujeito do objeto, o sujeito do próprio sujeito. É o nunca chegar, é o nunca ser. Porque insistir na perfeição?



3 Comentários:

c. disse...

Cheguei a chorar em certas cenas desse filme... Valeu muito o Oscar à Natalie Portman.

Pedro Henrique Gomes disse...

Muito bom, Jéssica! Você capta muito bem várias questões do filme, que, particularmente, também acredito ser bastante problemático.

Abraço!

Jéssica Evelyn disse...

Cynthya, questão de gosto, não? Eu não gostei, mas muitas pessoas adoraram. Que bom que você gostou. Obrigada por ter visitado o espaço!

Obrigada, Pedro. Outra coisa que me incomodou foi a questão da trilha, que você abordou muito bem na sua crítica. Em várias cenas, o som me pareceu deslocado. Abraços!

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