quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Sem Título

Atrasado. Ah, novidade! Eu já estou acostumado aos atrasos de ônibus, mas imaginei que pelo fato de estar mais estressado que o usual seria poupado desse incômodo cotidiano. E hoje é bem pior, porque não é o coletivo de todos os dias, é um interurbano. Tenho que resolver os pepinos da empresa sabe se lá onde. Só sobra para mim.
Tenho reclamado muito ultimamente. Não me leve a mal, mas é que estou farto disso tudo. Pode soar “revoltado demais”, mas é que cansei. Cansei de fazer tudo certinho e nunca acertar integralmente. Não é preguiça, não é que não tenha vontade de acertar. É que parece que nada é suficientemente bom, que nunca – por mais que se esforce – o certo é integralmente certo. Mais que isso, cansei de nunca me permitir viver por causa disso. Então você me pergunta por que estou fazendo essa viagem de trabalho que tanto me irrita. E te digo, não sei. Talvez porque seja covarde o bastante para fazer o que penso, para combater o que me incomoda. Talvez por que seja mais fácil ficar assim, mesmo que isso me traga umas rugas a mais. Talvez porque as coisas não funcionam deste modo, não posso ceder aos meus instintos, tenho que dar razão à razão, dar razão ao que é certo. Pronto! Caí na minha própria armadilha, acabei fazendo exatamente o que tanto critico, aquilo que tanto me farta. E depois me pergunto por que poucas pessoas aguentam minha conversa...
Nesse ponto da minha mesquinha reflexão interior, sou interrompido por alguém (ainda bem, provavelmente já estava te deixando farto...). Uma garotinha de uns dez ou doze anos faz-me gentilmente um pedido:
– Moço, posso me sentar ao seu lado?
– Pode sim. Respondi secamente, deveria ser mais educado, mas minha impaciência me impedia.
– Obrigada. Poderia me responder uma pergunta?
Pensei automaticamente naquela frase usual: “Já está perguntando!”, mas me contive, afinal era uma criança. Penso que a arrogância não deve ser usada com crianças, é coisa de adulto. Tentei ser educado, mas como não estava para conversas, acabei sendo indelicado:
– Posso, mas já vou avisando que estou de mau humor. E onde estão seus pais? Deveria estar com deles e não falando com um estranho!
– Calma, moço. Minha mãe está logo ali, ela é funcionária daqui. Só queria perguntar porque estava falando sozinho.
– Eu? Falando sozinho? Acho que ouviu demais... Ou pensou ter ouvido demais?
– Não, estou falando sério.
– Droga! Ah, desculpa... É que às vezes resmungo um pouco alto.
– Falar sozinho não é problema. Só acho que quando está com problemas, é melhor conversar com outra pessoa.
– Quem te disse que estou com problemas? Falei num tom mais alto do que seria normal para uma conversa e todos me olharam com aquela cara de reprovação por estar gritando com uma menininha. Constrangido, pedi desculpas a todos, e disse que era por causa do meu péssimo humor. O que não convenceu ninguém, até que a garotinha que eu não sei o nome ainda levantou-se e falou em um doce e largo tom:
– Ele é bonzinho, só está como todos vocês: estressados. Não olhem assim pra ele.
Sentei-me e comecei a rir da situação, e com ar de riso, não de impaciência, disse:
– E quem disse que estou estressado?
Ela riu, e o riso pareceu contagiar os que estavam como eu, a esperar pelo ônibus. As pessoas começaram a rir sem ter bem por que. Quando a crise de riso passou, ela voltou-se para mim e perguntou, ainda rindo por dentro:
– E o que te faz tão estressado, tão insatisfeito, tão resmungão?
– Ah, as mesmas coisas de todo mundo... O cansaço, as chatices de fazer o que não se gosta, a frustação de nunca fazer nada certo de verdade, aquelas coisas de adulto. Você não vai entender...
– Que mania de vocês de complicarem tudo!
– Não é bem complicação, é que certas coisas são necessárias...
– Eu sei disso, mas... É que vocês adultos se preocupam demais com coisas que nem são tão necessárias assim... Pelo menos não mais que um sorriso, um abraço, uma conversa... Você parecia que não tinha dado umas boas gargalhadas há muito tempo pelo desespero do riso!
Fiquei meio sem saber o que dizer nessa hora. E ainda estou meio desconcertado, mas sorri naturalmente (o que é raro acontecimento nesses meus 35 anos mal vividos) e disse:
– Tá! Você ganhou, adultos são chatos mesmo.
Nesse momento, o ônibus estava se aproximando da rodoviária.
– Disso eu já sei. Posso perguntar uma coisa antes de ir embora?
– Sim, claro. Ainda temos um tempo antes da troca de motoristas.
– Você tem um sonho?
– Tenho sim. Meu sonho é chegar à perfeição, fazer alguma coisa certa que seja certa.
– Pois desista. Arrume outro.
– Por quê? Perguntei assustado, imaginava que ela iria apoiar meu sonho, me dizer para seguir em frente. Então, ela me respondeu calmamente:
– Porque a perfeição dos adultos não é possível. Segundo vocês, perfeito é o que se deve ser, mas não se pode ser.
Acho que ela deve ter percebido meu semblante de interrogação e prosseguiu:
– Digo, vocês sempre querem ser algo que não são e por mais que se esforcem, não conseguirão ser o que querem.  E isso nada tem a ver com a vontade de melhorar sempre. Como você vai melhorar se não se deixa sorrir?
Não respondi coisa alguma, apenas guardei aquilo. O infeliz do ônibus já estava com os motores ligados e os passageiros já estavam embarcando. Era hora de ir. Levantei-me, disse um “até mais” e um obrigado mentalmente e me dirigi à fila para entrar no interurbano. Cheguei e me sentei à janela, ao lado de uma senhorinha simpática que faria gosto conversar se ela não tivesse um sono instantâneo. Só foi o tempo de acomodar-me na desconfortável cadeira e quando tornei a olhar, ela já havia caído no sono. Pus-me a rir dessas coisas imprevisíveis que acontecem no cotidiano. Naquela noite dormi e sonhei. Sim, sonhei. Sonhei que vivia, que corria, que sorria. É bom fazer isso de vez em quando.

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